Entrevista com Neville Hodgkinson
Por Helena Guerra em Janeiro de 2019
A Mente, o Cérebro e Eu
Neville Hodgkinson é escritor e jornalista residente em Oxford, Inglaterra.
Foi correspondente político e social do jornal London Times, na década de 70, e, desde então e durante mais de 30 anos, trabalhou ativamente como correspondente médico e científico dos jornais Daily Mail, Sunday Express e Sunday Times.
Em janeiro visitou Portugal, pela primeira, com o apoio da Brahma Kumaris (BK), a organização de que este homem da ciência, especializado em Saúde e Medicina, faz parte desde 1991. Veio para dar duas palestras – A Mente, o Cérebro e Eu - no Porto e em Lisboa
Aos 37 anos escreveu um livro sobre a mente e o corpo. Por essa altura, a BK e as suas ideias pouco comuns de “alma” e “alma suprema” pareceram-lhe muito estranhas, mas sentia a energia, o que o tornou um estudante regular da matéria. O seu coração reconhecia estes ensinamentos mas a cabeça estava ligada a outras ideias.
No seu primeiro livro, Will To Be Well – the Real Alternative Medicine, foi pioneiro em descrever as ligações profundas entre saúde e felicidade, em termos de descobertas científicas. O seu alargado interesse na chamada medicina mente-corpo levou-o à prática da meditação e ao estudo espiritual, no início dos anos 80. Devido ao seu grande interesse em estabelecer pontes entre a ciência e a espiritualidade, foi co-organizador de quatro Congressos Internacionais de Ciência e Consciência.
No seu último emprego como correspondente da área de ciência do jornal Sunday Times, dedicou-se à controvérsia científica sobre as causas da SIDA. No seu livro AIDS, The Failure of Contemporary Science, defende uma visão mais ampla acerca das origens do HIV e apela para um repensar sobre os métodos de observação científica, as verificações e as hipóteses.
Desde 1994, Neville Hodgkinson colabora na criação de um centro de retiros perto de Oxford, gerido pela Brahma Kumaris World Spiritual University, registada em Portugal com a denominação “Brahma Kumaris – Academia para um Mundo Melhor”.
Neville Hodgkinson / Helena Guerra (Espaço Aberto)
Espaço Aberto (EA) - Para começar, talvez fosse importante explicar as noções de Mente, Cérebro e Eu, temática das suas últimas conferências.
Neville Hodgkinson (NH) – Ok. Então, o Cérebro é a parte fisiológica do indivíduo; o Eu é distinto do cérebro e, para citar Depack Choopra, nós não somos o nosso cérebro.
Parte da dimensão da realidade está na mente. A mente é o interface entre o Cérebro e o Eu. É um instrumento de que a alma precisa para negociar com o mundo e entendê-lo. É afetada pelo cérebro, mas é um instrumento da alma.
O cérebro é capaz de receber informação de uma dimensão não física, transporta informações e filtra a informação. O cérebro, como filtro de informação, talvez ajude a explicar algumas doenças mentais como psicoses ou esquizofrenias. Se o cérebro não funcionar como filtro de informações, pode ser complicado para o indivíduo que não consegue lidar com elas. A doença mental surge, assim, como que ligada a uma dimensão não física.
Há várias formas de abrir as portas da perceção, barrando o filtro do cérebro: drogas, estados de êxtase religioso e ou emocional, que propiciam visões, consciência cósmica e sentido do poder de Deus. Isto não é algo de esotérico. É algo que nos foi negado, ao ficarmos presos no plano físico.
EA – O cérebro surge, então, como um órgão dinâmico. Até que ponto?
NH - O Cérebro revela uma grande neuroplasticidade. Esta terá sido a grande descoberta da Neurociência. Quer isto dizer que, quanto mais o usamos, o cérebro muda de acordo com o uso que lhe damos.
A ciência e os cientistas ainda estão agarrados à teoria evolucionista do corpo que se desenvolve até aos 20 anos e que, a partir daí, começa a entrar em decadência, ou seja, vai perdendo as suas capacidades. A ideia de o corpo funcionar por si só reside no enfoque que é dado à materialidade. O paradigma científico recusa-se a olhar para aquilo que não consegue medir. Mas este paradigma não só é limitado, como também é falso. A própria ciência já está a descobrir outras realidades. A ideia de que o cérebro é um órgão estanque que começa a envelhecer após os 20 anos está realmente ultrapassada. Cito, por exemplo, um estudo que foi feito com taxistas londrinos que revelaram uma área de mapeamento mais desenvolvida, no final da experiência. Um estudo californiano revelou que eram desenvolvidos neurónios do lado direito ou esquerdo do cérebro, conforme as pessoas ficavam mais alegres ou mais tristes. Após um curso de meditação budista de preenchimento mental de 12 semanas, verificou-se que o cérebro começou a ficar mais ativo do lado direito.
EA - Isso parece ser um pouco revolucionário e, de certo modo, é reconfortante que não estejamos tão limitados e que tenhamos hipótese de agir sobre a nossa realidade. Isto conduz-nos a um tópico que diz respeito ao conceito de consciência de que tanto se fala hoje em dia. O que é a consciência?
NH - A consciência dirige por, assim dizer, o espetáculo da nossa existência enquanto seres humanos. Não é um produto do cérebro como a ciência acredita. De acordo com o meu entendimento, a consciência é a primeira forma e o mundo material é uma projeção da consciência. Se pensarmos no Mito da Caverna de Platão, compreendemos isto.
O paradigma da consciência está a emergir. A consciência é o resultado de biliões de anos de evolução. A consciência cria o mundo material e nós somos parte disso. Enquanto almas, nós somos cocriadores, influenciamos o mundo material e podemos influenciar o modo de funcionamento da mente e do corpo.
A linguagem é, por vezes, difícil, porque falamos de consciência como algo que está acordado, como, por exemplo, se tomamos uma anestesia, perdemos a consciência, ou seja, ficamos sem consciência. Ora, a consciência, de acordo com o novo paradigma, está sempre presente, mesmo que o nosso Eu não esteja consciente disso. Mesmo em coma ou com anestésicos a consciência está lá porque eu sou consciência. Algumas vezes lembramo-nos do que se passou, enquanto estávamos em coma ou anestesiados, outras vezes não nos lembramos e definimos isso como estar ou não consciente, mas não passa de memória de…
EA - Isso leva-nos às experiências de quase-morte. O que se passa nessas situações?
NH – Precisamente. O que se passa é que as pessoas lembram-se ou não dessas experiências. A pessoa morre fisicamente e, do ponto de vista médico, a pessoa está inconsciente.
Existem relatos de pessoas com memórias consistentes do que lhes aconteceu: memórias de vidas passadas, relacionamentos com pessoas, mover-se para diferentes níveis, o momento em que vêm o seu corpo a ser reanimado pelo pessoal médico, entrarem num túnel de luz acolhedora, perderem os sentidos limitados e sentirem-se perto de Deus.
Pin Van Lommel, cardiologista, achava que se tratavam de ilusões cerebrais. No entanto, resolveu empreender um estudo sobre experiências em cinco hospitais diferentes durante 12 anos. Foram observados 300 casos. Em cerca de 60, foram descritas experiências de quase-morte. Verificou-se que, para além dos relatos serem todos idênticos, os pacientes tiveram mudanças muito significativas nas suas vidas, tentando viver de uma forma mais doadora. Na sequência deste estudo, Lommel escreveu o livro intitulado “A Ciência da Experiência de Quase-morte. A Ciência para além da Vida”.
EA - Poderemos dizer que, nesse estado, as pessoas estão na sua mais absoluta consciência?
NH - Evidentemente estão fisicamente mortos, mas estão conscientes.
EA - Estão a viver na alma?
NH - Sim, é praticamente isso. Estão afastados do mundo material. De acordo com o novo paradigma, o paradigma da consciência, estão mais conscientes. Isto conduz-nos a algo de que já falámos acerca do afastamento do mundo material, que possibilita a manifestação de outras dimensões. Mas essas restrições são necessárias, pois, de contrário, não saberíamos lidar com a vida diária. No entanto, se vivermos demasiado imersos no mundo físico, as nossas vidas correm o risco de se tornarem vazias.
EA - Por isso a necessidade das religiões e dos rituais?
NH - Sim. Por vezes, as pessoas recorrem mesmo a jejuns e a rituais para libertarem a consciência.
EA - Observo que, nos dias de hoje, as pessoas sentem-se cada vez mais sós e vazias, procurando aproximar-se da espiritualidade. Será uma busca da consciência? Talvez o atual estado de crise aos mais vários níveis, inclusive a de relacionamentos, seja uma oportunidade para encontrar um sentido para a vida?
NH - Sim claramente! As pessoas parecem estar à procura de uma saída de um buraco ou de uma armadilha. É muito difícil encontrar uma saída, pois estamos habituados a vermo-nos como matéria e só isso. A consciência é a saída. Temos de encontrar a saída desse ponto de vista material e a crise económica e de relacionamentos é uma oportunidade para partirmos à procura de algo mais importante.
EA - Pois, mas realmente é difícil acreditar na existência de algo para além do que os nossos sentidos físicos captam.
NH - A questão é: quem faz as escolhas? Se você pensa que é um ser material, mesmo sendo boa pessoa, se lhe acontece algo de mau fica stressado e instável. Mas, se você pensar que não é o seu cérebro e o seu corpo físico; se você se desidentificar do seu papel na vida, esquecendo-se que é o Actor, pode observar-se mais facilmente e as coisas correr-lhe-ão bem. Esta nova consciência ajuda-me a entender Deus. Até mesmo os cientistas começam a dizer que devemos entender a existência de uma dimensão maior e mais profunda.
EA - Como entende a ciência do futuro? Existirá uma espécie de aliança entre espírito, alma e ciência?
NH - Penso que sim. Os cientistas também são almas. No mundo da ciência há realmente boa gente. A ciência é um sistema de crenças e as pessoas ficam, por vezes, zangadas se as suas pequenas certezas são postas em causa. Mas hoje em dia há duas ideias que se defrontam: a ideia de materialidade e a ideia de humanidade. O foco na materialidade conduziu à ganância, ao sexo desregrado, ao egoísmo, à solidão, à ausência de valores morais e, em suma, à loucura geral. A falta de ética no mundo financeiro tem realmente causado muita miséria. Penso que as pessoas estão a reconhecer que o afastamento das raízes espirituais da humanidade foi pernicioso. A bondade, a criatividade e a inteligência em geral foram postas em causa. Os cientistas estão a começar a entender que o novo paradigma, o paradigma da consciência, oferece o que precisamos dos dois lados: o material e o espiritual. Ciência sem religião é vã, religião sem ciência é cega.
EA -Talvez aquilo que esteja, de certo modo, a bloquear a evolução da humanidade seja o ego. O que pensa acerca disso?
NH - Sim, o ego é a raiz do nosso sofrimento. Mas o ego também pode ser nosso aliado. As pessoas por vezes referem-se-lhe como o inimigo nº1, mas não podemos esquecer que precisamos dele. Da mesma forma que o corpo não é um inimigo, o ego também não. A questão reside na identificação com um ou com outro.
O ego, na minha opinião, pode ser uma espécie de temporário sentimento do “eu”, que é útil, se eu não pensar que sou ele. Se eu pensar que sou o meu ego, este torna-se muito defensivo e conduz-nos a atitudes erradas. O ego, tal como o cérebro, é uma parte do meu vestuário. Define como eu fui educado por meus pais, como eu me considero enquanto homem ou mulher com determinada educação, cultura, idade e nacionalidade, religião, etc… aquilo que eu sou mas de uma forma limitada. Está bem que tenhamos estas identificações, mas devemos ver mais longe. Por exemplo, eu, enquanto cristão, identifico-me também como uma parte da grande família de Deus, da qual todos fazemos parte, e não só os cristãos. Sendo assim, a nossa religião é parte de nós, mas não é a nossa identidade última.
EA - Essa postura conduz-nos à ideia de universalidade e ajuda, possivelmente, a cultivar em nós a tolerância e a aceitação da diferença, valores que, a meu ver, são muito necessários nos dias conturbados que vivemos.
NH – Sim, são valores muito importantes que é preciso cultivar no nosso ser. Mas, a um nível superior, situa-se o sentimento de viver em amor e abraçar uma vida de paz. Quando vivemos com ansiedade e egoísmo, com ganância e medo, estamos a funcionar do ponto de vista cerebral e perdemos de vista o nosso ser profundo. Quando vivemos em amor, abrimos as portas da perceção e somos nutridos com informação do Divino.
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