Dulce Pombo

Simbologia dos sonhos (1/4)

Por Dulce Pombo em 01-11-2021

Tema Desenvolvimento Pessoal / Publicado na revista Nº 17

Sonhos são mensagens da tua alma

Não te surpreendas se eu te disser que os teus sonhos podem revelar tudo aquilo que a tua consciência não consegue abranger.

O Despertar da Consciência é um processo de conexão íntima que um indivíduo tem com sua própria essência. É o enfrentamento direto e muitas vezes doloroso de sua consciência com sua própria alma. É a descoberta mais íntima e reveladora que o ser humano pode ter de si mesmo.

Mas como ter acesso a  esse aspeto tão profundo da alma?

Esse processo que muitas vezes pode ser complexo e doloroso, só é atingido quando nós permitimos que nosso inconsciente se conecte ao consciente do nosso ser. E isso envolve aprender a ler, encarar e resinificar as nossas sombras.

Para aprofundar esse processo, é necessário que o indivíduo lance mão de uma série de ferramentas. E uma delas, segundo Carl Jung – pai da psicologia analítica, é a interpretação dos sonhos.

Para Jung, os sonhos são um produto psíquico, responsável por mostrar as mensagens do inconsciente. Através deles é possível compreender coisas que muitas vezes a consciência não nos revela. Como os nossos medos, anseios e angústias.

Ainda segundo o pai da psicologia analítica, a compreensão da psique dá-se de maneira essencialmente simbólica e envolve todos os elementos da personalidade humana, como o sentir, o pensar e o agir.

Dessa forma os sonhos podem, numa linguagem particular, permitir que o indivíduo encontre uma maneira própria de se compreender e de se conectar à sua própria essência.

Compreender o mundo dos sonhos, seguindo as visões da terapia junguiana, significa preencher os espaços vazios, descobrir potenciais negligenciados, dores que carregamos, pontos da vida que pedem para serem melhorados...

Entenderás melhor ao longo deste artigo. 

Mas antes de nos aprofundarmos neste assunto, preciso que  primeiro entendas dois conceitos que serão relevantes para o nosso fim:

Inconsciente Coletivo 

Jung definiu como inconsciente coletivo, a região da nossa psique que é constituída por informações comuns a todos nós,  e que nos foram passadas de gerações e gerações. É o campo onde as ideias ainda não imaginadas são guardadas.

É a parte da nossa própria essência que desconhecemos e que esconde os nossos traços mais íntimos. É nela que habitam todos os sentimentos, comportamentos e impressões que não controlamos.

Arquétipos 

Os arquétipos, na sua essência, são o “retrato” das motivações humanas, emoções e experiências que são passíveis de serem reproduzidas. São os transmissores de sabedoria comuns ao inconsciente coletivo da humanidade. Formam modelos que foram sendo desenvolvidos de gerações em gerações e se repetem na experiência humana ao longo de milhares de anos.

Compreendido estes dois  conceitos, comecemos então por entender o que são os símbolos e como eles influenciam a interpretação dos sonhos.

 

A REPRESENTAÇÃO DOS SÍMBOLOS E SUA RELEVÂNCIA NOS SONHOS


Jung afirma, que os sonhos e símbolos formam a representação verdadeira de nossa própria psique. E, portanto, o homem  conhece a si mesmo através da análise profunda dos mesmos.

Os símbolos, para a psicologia analítica, são a linguagem da qual nos expressamos em sonhos. A sua manifestação é representada através de termos, imagens ou nomes. E para que sejam configurados simbólicos, precisam emanar algum sentimento que vai além de seu significado objetivo.

Vamos a um exemplo prático: Não se pode falar de símbolos sem mencionar a representação dos arquétipos. 

Para a psicologia analítica, os arquétipos manifestam-se nos nossos sonhos, através de símbolos – universais ou não, e colocam para fora tudo o que está guardado no nosso inconsciente e que afeta diretamente o momento atual que vivenciamos.

Cada arquétipo que aparece num sonho pode através da simbologia representar um aspeto emocional do sonhador.

Por exemplo: uns dos arquétipos que apresentam grandes significados são a sombra, o Animus e a anima.

Todos eles representam algum aspeto pessoal do sonhador e podem ser simbolizados nos sonhos em forma de uma anciã, um ancião, uma jovem mulher, um mestre que admiramos ou uma figura assustadora.

Ou seja: os símbolos são o veículo de comunicação pelo qual os arquétipos se podem  expressar.

No entanto, segundo Jung, a interpretação dos sonhos considera a singularidade de cada símbolo onírico (natureza dos sonhos). Que por sua vez pode ter mais de que  um significado.

Não existem manuais que digam o que cada símbolo significa. Os arquétipos sim apresentam significados universais, já os símbolos não. Dessa forma, um mesmo arquétipo pode ser representado por diferentes símbolos.

Portanto, não  vás pesquisar no Google o significado de sonhar com cobra, elefante, papagaio ou o que quer que seja. As interpretações reais vão muito além desses significados.





VAMOS ENTENDER OS DISCURSOS DA CONSCIÊNCIA ATRAVÉS DOS ARQUÉTIPOS APRESENTADOS EM SONHOS

Como  já deves ter percebido, os sonhos são uma espécie de raio x da nossa psique. E os arquétipos que neles aparecem formam o padrão de comportamento e a representação simbólica daquilo que somos psicologicamente.

Os arquétipos têm as suas próprias maneiras de dizer se estamos a conseguir superar um trauma do passado, como estamos a lidar com as adversidades, em qual contexto de vida pessoal estamos e quais os aspetos merecem ser olhados  com mais atenção.

Para um melhor entendimento, eu separei dois exemplos de arquétipos e as suas hipóteses interpretativas.

Obs.: todo arquétipo apresenta em si seu lado yin e yang (elementos positivos e negativos). Ou seja, para toda representação positiva de um arquétipo, existirá uma porção negativa que também poderá ser demonstrada em sonho.

Vem comigo!

O HERÓI

A representação do Herói é muito antiga e apresenta o processo de transformação psíquica que todos os indivíduos realizam ao longo das suas vidas.

Indica o desenrolar dos potenciais únicos de cada indivíduo e sugere que o mesmo olhe para a sua personalidade mais genuína, aquilo que é passível de gerar uma contribuição única para o mundo. A  sua vocação e propósito.

Pode ser representado no sonho pelo encontro com um professor, por uma figura paterna, luta contra o mal, príncipe que salva  a princesa.

A GRANDE MÃE

O arquétipo materno é visto como o princípio, o amor maternal, o ensinamento e a nutrição. Ele provém das características que moldam o crescimento de uma criança e a transaciona para a vida adulta, que por sua vez é cheia de adversidades.

Mas esse mesmo arquétipo também pode surgir como algo negativo, como uma mãe que devora seu filho e o impede de crescer.

Os símbolos femininos, como a esposa, sogra, avó ou a própria mãe podem representá-lo.

 Os arquétipos aparecem no sonho, como o grito do inconsciente que me pede para enfrentar os aspetos de quem eu sou para que eu os possa integrar em mim mesma.  

 

QUAL RELAÇÃO QUE OS SONHOS PODEM TER COM AS MENSAGENS DA ALMA E O PROCESSO DE AUTOCONHECIMENTO?


Como pode se ler, os sonhos dizem respeito ao nosso inconsciente pessoal, certo?

Pois bem, ao analisarmos os arquétipos, símbolos, detalhes e acontecimentos produzidos através deles, entramos em contato direto com a maior parte daquilo que somos. O nosso inconsciente.

Vou dar um exemplo prático. Imagina a seguinte cena:

Tu estás agora em cima de um elefante. E com toda calma vocês os dois caminham juntos. Lá de cima tu seguras uma corda que serve para domar e direcionar o animal para o caminho que irão percorrer.

Tudo está a correr perfeitamente bem, até que o elefante se agita, não  respeita as tuas ordens de comando e resolve seguir um caminho completamente diferente.

Então, tu com medo, porém impossibilitado(a) de parar o animal, segues a rota escolhida por ele e no caminho és surpreendido(a) por lugares fascinantes que jamais teriam sidos percorridos e visitados por ti.

Nesta história, o elefante, aquele gigantesco ser comparado com a  tua pessoa, é a tua mente inconsciente, os lugares fascinantes são a tua alma. E o teu corpo e mente consciente, são representados pela imagem de ti bem pequenininho (a) em cima dele.

Consegues agora entender o porquê que eu digo que o inconsciente é a maior parte daquilo que somos? É ele quem controla as rédeas e dita os comandos.

Sonhos - o Equilíbrio da Balança Psicológica

Para a psicologia Junguiana, os sonhos maioritariamente  apresentam um mecanismo compensatório, que assume o papel de harmonizar os desequilíbrios e faltas que apresentamos na nossa psique.

Fácil de entender? Não? Vamos então aprofundar mais um pouco este   assunto!

ENTENDENDO Os Sonhos Compensatórios

Jung no seu livro  “O Homem e seus Símbolos”, escreveu: “A função geral dos sonhos é tentar reestabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira subtil, o equilíbrio psíquico total. É ao que chamo função compensatória dos sonhos na nossa constituição psíquica. ”

Isto significa, em termos práticos, que este tipo de sonhos (existem outros tipos que poderás ler nos próximos artigos) se manifestam com o intuito de corrigir alguma deficiência que temos nas nossas vidas – muitas vezes desconhecidas pelo consciente – suprindo através do material onírico aquilo que nos falta.

Vejamos um exemplo: pessoas que têm um conceito bastante elevado de si mesmas, que acreditam na ilusão de serem melhores que outras (narcísicas), em algum momento receberão uma mensagem de seu inconsciente sugestionando que esse sentimento precisa de ser corrigido.

Ele diz mais ou menos assim: “ precisas de  corrigir esse teu excesso de arrogância e essa falta de humildade”. E é através de um sonho compensatório que essa mensagem - com sua devida simbologia - chega ao consciente. Podendo ela ser manifestada através da simbologia de uma queda do sonhador ou de alguma outra coisa que represente a sua falta.

Percebeste como ele (este tipo de sonho) completa algo que está a faltar? De um lado se tem o consciente com um excesso de convencimento (desequilíbrio) e do outro se tem o inconsciente a tentar equilibrar essa desarmonia. 

Mais fácil de entender, não é? Mas não vamos parar por aqui, vamos ver agora a compensação por outra perspetiva.





A COMPENSAÇÃO VISTA ATRAVÉS DE DOIS ARQUÉTIPOS: ANIMUS E ANIMA

Os arquétipos Animus e Anima - aspeto masculino e feminino do inconsciente da mulher e do homem respetivamente - representam a compensação do que falta na consciência de cada ser.

O Animus compensa as qualidades masculinas que faltam na consciência da mulher e a Anima compensa as qualidades femininas que faltam na consciência do homem.

Esses dois arquétipos, representam parte do equilíbrio da essência humana. Que por sua vez, carregam dentro de si as duas energias, tanto a masculina quanto a feminina.

E para que estejam sempre em equilíbrio, é necessário que tanto a essência feminina seja integrada ao homem, quanto a essência masculina à mulher. No entanto, isso nem sempre acontece.

Quando em desequilíbrio, os indivíduos tendem a assumir traços unilaterais da personalidade de cada um - de forma negativa – originando uma desarmonia das suas ações/comportamentos.

Por exemplo: uma mulher em desequilíbrio, ao contrário de despertar as virtudes masculinas do seu Animus, pode unir-se a ele de maneira negativa e assumir uma postura arrogante e fria perante suas ações.

Por consequência, a sua anima é afetada e manifesta de maneira também negativa, reprimindo o seu lado sensível e intuitivo.

E em sonhos, como a compensação pode ser vista através desses arquétipos?

Compreendemos o que estes arquétipos representam para a nossa psique. Agora vamos entender, por meio do caso de um paciente, do Psicanalista Jung, como um sonho compensatório pode revelar a Anima.

Vejamos: “Um paciente meu, sonhou com uma mulher desgrenhada, vulgar e bêbada. No sonho parecia ser a sua própria mulher, apesar de estar casado, na vida real, com uma pessoa inteiramente diferente. Aparentemente, o sonho era de uma falsidade chocante e o paciente logo o rejeitou como uma fantasia tola. “

Jung buscou várias formas de interpretar este sonho, recorreu a algumas evidências e concluiu que assim como muito homens escondem a todo o custo a sua mulher interior, com seu paciente não era diferente.

O lado feminino dele não era dos melhores, tendo então o sonho tentando transmitir a seguinte mensagem: “estás a  comportar-te, em certos aspetos, como uma mulher degenerada”. Mas não penses que a mensagem transmitida pelo sonho tinha caráter moral. Jung entendeu que o sonho estava simplesmente a tentar contrabalançar a natureza desequilibrada da consciência do seu paciente que incessantemente negava a deplorável condição de sua “mulher interior”.

E com esse exemplo de Jung, espero que tenhas entendido o que é um sonho compensatório e desejo que te ocupes mais dos teus sonhos para que a tua balança psíquica esteja sempre em equilíbrio!

Desta forma se tu estudares o teu inconsciente, por meio das mensagens enviadas pelos sonhos, adentrarás por camadas profundas de dores e revisitarás traumas e lixos emocionais que foram escondidos debaixo do tapete.

Em algum momento o teu perfil estará mais definido, as sombras estarão resinificadas e o teu ser mais íntimo e verdadeiro será mostrado ao mundo.

Como podes iniciar o teu estudo dos sonhos?

COM O CADERNO DOS SONHOS

Para quem está em terapia, o caderno dos sonhos é conhecido como uma espécie de ferramenta do paciente, indispensável no processo de autoconhecimento.

É essencial que os sonhos sejam registados e que isso seja feito logo ao acordar. Caso contrário, as chances de eles serem dissipados da memória serão muito grandes.

Eles podem ser anotados um dia ou outro, mas será muito mais terapêutico se os registos forem diários.

Com o tempo esse caderno se tornará  o teu material de autoconhecimento!!

E por aqui eu finalizo com um grande ensinamento deixado por Carl Gustav Jung - criador da psicologia analítica:

“Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão”.

E tu, aceitas enfrentar a tua alma ouvindo o que teus sonhos têm a dizer?

Nos próximos artigos falaremos sobre o poder dos sonhos lúcidos, os intrigantes sonhos numinosos e os sonhos premonitórios. 


Dulce Pombo

PhD Sociologia

Estudos avançados em Psicologia Analítica Junguiana, Sonhos , Alquimia e Mitologia






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