
Desenvolvimento Humano com Ana Veloso
Por Ana Veloso em Maio de 2023
Ana Veloso, professora de MTC e Kinesiologia, diretora do IPN - Norte (Instituto Português de Naturopatia) nos polos Porto, Braga e Coimbra,
Terapeuta há 19 anos.
Nasceu e cresceu cheia de força, mas sem vocação que lhe apontasse desde cedo um caminho, pelo que trabalhava, punha garra em tudo o que fazia (e fazia bem), defrontando-se quase sempre, pouco tempo depois, com a insatisfação de um vazio que não despertava nela a vibração da felicidade de quem está no sítio certo, a fazer a coisa certa. E tudo era cíclico. De três em três anos sucediam-se os términos e a esses fins os recomeços para novas tentativas e construções sempre com a esperança viva de que um dia se encontraria.
Ana, agradecemos desde já a sua disponibilidade para esta entrevista para a REA.
AV - com muito prazer.
REA – Ana fale-nos um pouquinho de si, quem é a Ana? Como foi o seu percurso até terapeuta de MTC.
AV – A necessidade de realização pessoal, era algo que há 30 ou 40 anos atrás, não era muito comum, nem valorizada. À identidade e à satisfação interiores sobrepunha-se a praticidade de outros valores. A maior parte das pessoas procurava um emprego estável esperando que este se mantivesse por toda a vida. Eu não. Procurei por muito tempo a paixão por alguma atividade que me preenchesse, o que demorou a acontecer, por essa razão, eu estava sujeita, por vezes, a comentários sugerindo falta de aptidão para o trabalho e alguma instabilidade, já que, ciclicamente, me despedia para inventar algo de novo para fazer. Aquilo que me distinguia positivamente (na minha perspetiva) dos demais, que era este meu inconformismo e insatisfação que me guiavam diariamente à procura, à experiência e da experiência à evolução, era para alguns em redor, motivo de depreciação e de crítica. Mas eu era, e sou, uma pessoa comprometida, antes de mais, comigo mesma, e repetidamente, substituía-me à vida criando projetos e oportunidades de coração aberto, sempre na esperança de encontrar o motivo para fazer o meu coração sorrir para “o tal” trabalho. Não me perguntes porquê, porque não te sei explicar como, mas eu sabia que mais do que uma possibilidade, isso iria tornar-se real. Uma certeza inabalável. Há quem lhe chame Fé.
A dada altura, entendi que tudo fazia sentido. Sabes, quando olhas para trás e entendes que tudo teve um propósito e encerra uma aprendizagem?... Constatei que os primeiros trinta e poucos anos da minha vida se destinaram à procura, à exposição e à experimentação para coletar informação, coletar conhecimento, coletar dor, coletar sensibilidade e crescimento para que em determinada altura, mais á frente, eu pudesse estar a fazer a “coisa certa”.
O ponto de viragem deu-se quando o Reiki cruzou o meu caminho, e se fez um “reset”. Comecei de novo, profunda e verdadeiramente, pela primeira vez. Foi como uma limpeza de circunstâncias, um alargamento de horizontes muito além dos antigos limites, uma purificação pela eliminação da anterior toxicidade, uma abertura do caminho, uma conexão ao meu propósito para que o universo me presenteasse com o Curso de Medicina Tradicional Chinesa. Quando isso aconteceu, pude saborear a realização com algo por que tanto esperei. A transformação e a consciência deram suporte a um crescimento alicerçado num novo saber, que me permitiu olhar para a natureza, olhar para o universo e para a vida de uma forma muito mais inteira e muito mais conectada. Tudo fazia sentido, as peças começavam a encaixar-se e eu própria me encaixava…
Desse período formativo, resultou uma paixão tamanha pela matéria que me fez enveredar pelo ensino desta vertente oriental de saúde, no IPN, escola que mudou a minha vida. Hoje, tenho a sorte de dar formação de Medicina Chinesa, e, para além de todas as competências inerentes à teoria e à prática da MTC, passar aos meus alunos, o valor acrescentado da aprendizagem que vai muito além da intelectualidade do conhecimento. Passar os valores e perspetivas que agregam as almas num determinado sentido, propósito ou entendimento, o que faz com que alguém que venha ou não a praticar a medicina chinesa, se sinta acrescentado e complementado pela visão holística da vida, que permite perceber que o Homem não existe isolado, nem dentro, nem fora da espécie e entender que todos nós somos seres individuais com conexões energéticas entre os pares e com o meio, movimentando-nos numa ordem base, pré-existente, que é a ordem natural de todo o Universo.
A saúde que eu aprendi é uma saúde muito humana. Humana no sentido do respeito pela integridade do todo em cada Ser, numa visão que respeita as sua identidade e particularidade e todas as suas circunstâncias internas e externas. É também uma saúde natural, não só porque usa técnicas naturais para repor o equilíbrio, mas porque se organiza e espelha de acordo com o modelo natural que nos envolve. Assim, para a Medicina Tradicional Chinesa o corpo, a mente, as emoções, o espírito, estruturam-se, coordenam-se, articulam-se e interagem entre si e fora de si, seguindo um entendimento logico baseado na orgânica da natureza da qual o Homem faz parte e com a qual está intrinsecamente conectado. Vejamos o exemplo da astrologia…. Certas pessoas dizem que não acreditam nela, mas, na realidade, a astrologia não é algo em que deliberadamente se pode acreditar ou deixar de acreditar. A verdade deste tipo de conhecimento e de interpretação energética está muito além da crença individual de cada um. O fato de não acreditar ou não conhecer uma determinada coisa, não quer dizer que ela não exista. Não acreditar é uma opção individual e não conhecer é ignorância. Em nada altera o funcionamento do universo. Tanto falamos de holismo, da interação entre as partes, e, para determinadas matérias, muitos continuam a ver o Homem acima ou fora da natureza. A Medicina Chinesa atesta que não estamos imunes às influências externas porque não existe barreira de separação. A natureza continuará a influenciar-nos energeticamente mesmo que não tenhamos consciência disso. A falta de consciência não impede a manifestação na natureza e do universo na nossa vida. Optar por ampliar a consciência sobre tudo o que acontece em nós ou à nossa volta alarga-nos os horizontes, acrescenta-nos crescimento e desenvolvimento das nossas próprias capacidades e potencialidade e é o pressuposto base para a abertura ao processo de iluminação quanto à ordem, ao sentido e ao propósito da existência.
Esta é a riqueza de viver. É não viver no piloto automático. É viver conectado. É viver absorvendo, apreciando e saboreando a caminhada e o caminho como se estivéssemos sentados numa sala de cinema, a ver o filme da nossa própria vida, em que somos simultaneamente, observadores, personagens, argumentistas e realizadores. Um filme em que contracenamos com uma série de outros personagens, que não são só as pessoas que fazem parte da nossa realidade particular, mas são personagens simultâneos deste universo, escolhidos para vivenciar este momento e preparar o futuro.
A MTC ensina-nos a tomar consciência, através de uma visão mais clara da vida, convidando a uma observação interior para compreendermos a nossa mecânica. A vida, tal como a entendemos, não pode ser concebida sem a interação entre as partes, em que nenhuma delas é mais importante que as demais. Assim, o corpo e o espírito não existem em separado. Entenda-se espírito, como forma de agregar o mundo insubstancial de cada um (mente, emoções, etc.) e que faz a vida manifestar-se mais inteira. Segundo esta filosofia de saúde é o espírito/mente (“Shen”) que acrescenta e exterioriza animação, expressando a manifestação dos aspetos mentais e emocionais, que não são mais do que formas de energia subtil, agregadas aos órgãos internos e aos Cinco Elementos, que nos tornam seres complexos, mas de uma beleza profunda. A grande complexidade e particularidade reside nesses aspetos insubstanciais que enraízam quase toda a ação e que são manifestação de energia. Como pequeno exemplo, observemos o seguinte: todos nós precisamos de motivação para executarmos as nossas tarefas diárias, nomeadamente, levantar pela manhã, ou seja, necessitamos de um objetivo pelo qual pretendemos lutar para o alcançar. Alguém sem objetivos poderá ter dificuldade em ter motivação acordar e levantar-se. Ou seja, o objetivo será o fator onde colocamos energia de maneira e iniciar um caminho para atingir uma fim. Este tipo de desequilíbrio está associado a um aspeto da mente, a que chamamos de “Hun” ou Alma Etérea e que está enraizado no sangue do Fígado. Esta é, entre outras particularidades, uma parte da alma que nunca morre e que recorrentemente vem experienciar a vida terrena, trazendo-nos novos propósitos e propostas de aprendizagem.
REA – quantas almas temos?
AV - Os chineses organizam a vida e a natureza em Cinco Elementos e, em termos de saúde, a cada uma desses elementos (Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água) estão associados órgãos, vísceras, funções, estruturas físicas, órgãos dos sentidos, sabores, emoções e os aspetos da mente, particulares para cada um deles, por identidade da qualidade energética. Em termos do espírito ou mente, também cada um dos órgãos representativos desse elementos, agregam um aspeto mental. Muito embora, todos eles sejam manifestações da subtileza da energia, dois deles estão muito associados ao conceito de Alma usada na MTC, um deles já referi, o “Hun” ou Alma Etérea, mais conectada com o Divino e um outro, o “Po” ou Alma Corpórea, mais associada à nossa animalidade física. O “Hun” é uma alma nunca morre. Encarna no nosso corpo, elevando-se quando morremos. Dá-nos criatividade, inspiração, capacidade de criar projetos e de lutar por objetivos, rege o sonho. Dá-nos propósitos de vida. O “Po” nasce com o corpo e morre com o corpo. Está relacionada com o nosso instinto mais animal, instinto de sobrevivência, o instinto de defesa, o instinto maternal, etc. Estes dois aspetos da Alma interagem e complementam-se. Um deve conviver harmoniosamente com o outro.
Esta profundidade de conhecimento e de estruturação da vida, que conta com milhares de anos, traduz o modelo de comportamento da natureza, razão pela qual a MTC continua viva e atual, já que a ordem da natureza se mantém. Devemos valorizar e sublinhar a sabedoria por detrás da capacidade iluminada de observação e de absorção da essência da vida, de que resultou este importante sistema de saúde que serve a humanidade até aos dias de hoje. Mais, devemos perceber que toda a mesma estratégia que serve de base à MTC, serve de base e sustenta também todos os processos de vida, todas as mudanças, e, inerentemente, a evolução, pelo que podemos usar a mesma tática de observação para alimentar a consciência e a iluminação para dar suavidade ao crescimento.
Ter ciência de tudo isto, inabilita-nos a ignorância de continuar a olhar a vida pela lente da pequenez. Jamais a perspetiva voltará ao tamanho original após o entendimento da filosofia da MTC. A arrogância absoluta do conhecimento estéril impede a expansão dos olhos e a abertura a novos horizontes. O facto de sermos distintos das restantes espécies, distancia-nos, muitas vezes, da simplicidade da grandeza das pequenas coisas.
Regressando a mim, e no seguimento da perspetiva que apresentei agora, não me considero uma pessoa iluminada, longe disso, mas faço da iluminação um caminho que percorro tentando levar luz aos pontos mais sombrios da vida e do esclarecimento. Para isso, tento estar conectada e alerta para absorver a luz que venha de qualquer fonte de estímulo seja ele interno ou externo.
Neste contexto, a Medicina Tradicional Chinesa, carregada da sua ancestralidade, é das maiores fontes que eu conheço de desenvolvimento humano. Costumo dizer que crescemos para dentro, que este processo de desenvolvimento é um caminho interior de conquista, expandindo a luz, ganhando espaço à escuridão e que o universo se estende para dentro de cada um.
Como especialista da saúde natural, posso hoje reconhecer numa série de outras terapêuticas, o alicerce neste mesmo fundamento, como é o caso da Kinesiologia. Também ela tem por base o todo de que a medicina chinesa fala, de que nada existe em separado, nem nós separados da natureza, nem a natureza separada de nós, e que dentro de cada um, mente, emoções, corpo físico interagem e influenciam-se mutuamente. A Kinesiologia não é mais do que uma conversa do especialista com o corpo do paciente, usando testes musculares para estabelecer esse diálogo. Desta forma, o corpo físico será sempre a maneira mais objetiva de interpretar o que se passa no interior, seja a questão do foro físico e concreto, seja de foro mais subtil. E o que liga todas as estruturas física e não físicas? O que é que liga as emoções, a mente e o corpo físico? Os chineses diziam que era o “Qi” (energia), atualmente, dizemos que é o sistema nervoso. A Kinesiologia surgiu da constatação de que determinados grupos musculares refletiam o estado de um sistema de órgãos internos, que, de acordo com o sistema de canais ou meridianos energéticos chegavam a determinados pontos da superfície, validando o que a MTC sempre defendeu. Desta forma, mesmo que estejamos a tratar uma questão emocional, o corpo expressará sempre a afeção dessa emoção com a alteração do seu tónus muscular.
A formação em Kinesiologia Holística e especialização em Kinesiologia Emocional vieram, também elas, permitir-me fazer uma outra abordagem à saúde, o que me levou a constatar que os limites estão em nós, assentam, muitas vezes, nas nossas próprias crenças, na nossa experiência, na nossa educação e na nossa cultura. Se me dissessem, há uns anos atrás que algum dia eu “conversaria” com o corpo ou com a mente dos meus pacientes, diria que só se eu estivesse em estado alterado de consciência. Agora percebo que a vida se manifesta de forma simples e que os processos de tratamento se tornam mais efetivos quando respeitam a mesma regra da simplicidade da natureza. Mais um grande passo no desenvolvimento humano.
REA – És um ser espiritual?
AV – Habituamo-nos a classificar tudo com rótulos. Eu posso assegurar que sou um ser energético, como é energia “tudo o existe entre o céu e a terra”. Sendo que a minha consciência não me permite conhecer tudo o que existe, tenho um princípio que me rege, o de não negar aquilo que eu não conheço. E não sei bem o que é ser espiritual. Na perspetiva que se encerra na Medicina Chinesa, e como já foi abordado, existem em nós características Yang, insubstanciais, que pela sua subtileza são difíceis de percecionar à luz da consciência. No entanto, se ser espiritual cabe neste entendimento energético e me permite ser “maior” a cada dia que passa e viver numa profundidade cada vez mais imensa, intensa e eterna, então também sou espiritual. Se ser espiritual é fazer parte de todas as possibilidades de manifestação e comungar do sentido supremo da vida, que acrescenta, então sou um ser espiritual.
E ser energia é tudo isto também. Sou a mesma energia que em contração se densifica a ponto de me tornar na matéria do meu corpo, mas que, mediante a sua dispersão, tem a capacidade de voltar à subtileza do meu estado original.
REA - Ana mais uma vez muito agradecemos a tua disponibilidade.
Ana - Fátima obrigada pela oportunidade, foi um prazer.
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