
As Raízes do Unitário-Universalismo (Parte II)
Por Daniel Faria em Julho de 2023
OS VALORES DO UNITÁRIO-UNIVERSALISMO
O unitário-universalismo preconiza uma espiritualidade pós-dogmática e profundamente universalista.
As pessoas que se identificam com o unitário-universalismo podem ser membros de qualquer religião organizada, humanistas seculares, deístas, agnósticos ou ateus. Por conseguinte, entre os unitário-universalistas, encontram-se pessoas que têm perspetivas cristãs, judaicas, muçulmanas, hindus e budistas, entre outras.
Os unitário-universalistas são chamados deste modo porque:
- Valorizam a ideia de que a Fonte Divina é una.
- Valorizam a unidade essencial da humanidade e da Vida. Somos membros da imensa família humana, que por sua vez faz parte da grande família cósmica. Todas as formas de vida estão interligadas.
- Consideram que todos os seres são chamados a reconciliar-se com a Fonte Divina.
Os unitários-universalistas têm crenças diferentes, mas valores compartilhados. A diversidade de crenças que se encontra no âmbito do unitário-universalismo é um dos seus principais pontos fortes.
Forrest Church, um dos principais pensadores do unitário-universalismo contemporâneo, comparava metaforicamente a visão espiritual unitário-universalista a uma catedral. Existe uma única luz, que é a Luz Divina, que brilha através de todas as janelas da catedral. As janelas são as diversas correntes religiosas, espirituais e filosóficas sobre o Divino. Não veremos a luz diretamente, pois é mediada pelas janelas da catedral. Incentivando a humildade, o Mistério absoluto está oculto, pois a luz não pode ser apreendida plenamente, mas podemos contemplá-la com admiração e reverência.
Os princípios fundamentais do unitário-universalismo são os seguintes:
- O valor inerente e a dignidade de cada pessoa;
- A justiça, a equidade e a compaixão nas relações humanas;
- A aceitação uns dos outros e o encorajamento para o crescimento espiritual mútuo;
- Uma busca livre e responsável pela verdade e significado;
- A liberdade de consciência e o uso do processo democrático nas comunidades e na sociedade em geral;
- O objetivo de uma comunidade mundial com paz, liberdade e justiça para todos;
- O respeito pela rede interdependente de toda a existência, da qual somos parte.
As principais fontes do unitário-universalismo são diversificadas, sendo concretamente as seguintes:
- A experiência direta desse Mistério maravilhoso e transcendente, afirmada em todas as culturas, que nos leva a uma renovação do espírito e a uma abertura das forças que criam e sustentam a vida;
- As palavras e os atos de mulheres e homens proféticos, que nos desafiam a confrontar os poderes e as estruturas do mal com a justiça, a compaixão e o poder transformador do amor;
- A sabedoria das religiões do mundo que nos inspiram na nossa vida ética e espiritual;
- Os ensinamentos judeus e cristãos que nos aconselham a atender ao amor de Deus, através do amor ao próximo como a nós mesmos;
- Os ensinamentos humanistas que nos aconselham a atender ao chamamento da razão e aos resultados da ciência, e nos advertem contra as idolatrias da mente e do espírito;
- Os ensinamentos espirituais de tradições centradas na valorização da Terra, que celebram o ciclo sagrado da vida e nos instruem a viver em harmonia com os ritmos da natureza.
Neste sentido, serão abordados de forma mais detalhada alguns conceitos espirituais fundamentais, ao abrigo da espiritualidade unitário-universalista.
O Divino
A generalidade dos unitário-universalistas afirma a unidade da Fonte Divina, considerando que por detrás de tudo que o que é visível ou invisível, existe uma Realidade absoluta, eterna, ilimitada e imutável.
No âmbito dos unitário-universalistas, existe uma grande diversidade de pontos de vista sobre a natureza do Divino.
Uma grande parte dos unitário-universalistas compartilha a linguagem cristã de Deus como uma Presença infinitamente amorosa. Alguns rejeitam Deus completamente e mantêm uma visão ateísta do universo. Outros entendem Deus como o poder criativo da evolução cósmica, o poder contínuo do amor ou simplesmente o Mistério supremo que é a fonte de toda a Vida. Muitos enfatizam os aspetos femininos do Divino, usando metáforas como Mãe no lugar das metáforas tradicionais para Deus, como Pai ou Senhor.
A interação entre a humanidade e o Divino
Desde tempos imemoriais, a humanidade, na diversidade das suas culturas, tem desenvolvido a ligação com o Divino.
Com efeito, a relação com o Divino está profundamente enraizada nos seres humanos de todos os tempos e lugares que constitui uma experiência de alcance universal.
O unitário-universalismo valoriza o legado dos grandes mestres espirituais, que através das suas vidas e dos seus ensinamentos de sabedoria profunda, promoveram os valores do amor incondicional, do altruísmo, da compaixão e do desapego.
No âmbito dos grandes mestres espirituais, merece destaque a figura de Jesus, considerando as raízes historicamente cristãs do unitário-universalismo.
Com efeito, os unitário-universalistas consideram Jesus como uma figura especialmente relevante, se não a figura por excelência, na jornada espiritual da humanidade.
Em geral, ele é considerado:
- Como um grande mestre, inserido na tradição profética do judaísmo, que apresentou uma mensagem focada na proclamação do Reino de Deus como Fonte Infinita de Vida e Amor;
- Um exemplo poderoso de integridade, coragem, fé, esperança e compaixão;
- Como plena e inequivocamente humano;
- Como divino, na medida em que a sua vida e obra manifestam a divindade e o elevado potencial inerente a todos os seres humanos.
Os unitário-universalistas entendem que a fé em Jesus não equivale a professar uma crença com detalhes específicos sobre quem é Jesus. Acreditam na liberdade de cada pessoa desenvolver a sua própria compreensão sobre a figura de Jesus. Portanto, a generalidade dos unitário-universalistas o honram, mas não o adoram, considerando que a adoração deve ser reservada somente à Fonte Divina da qual emana tudo o que existe.
Para além de Jesus, os unitário-universalistas têm igualmente reverência pelos diversos mestres que têm acompanhado a história espiritual da humanidade.
A condição humana
O unitário-universalismo considera que os seres humanos são intrinsecamente bons.
Neste sentido, a ideia de pecado original, a noção de que os seres humanos nascem com uma mácula inata, em consequência da desobediência dos primeiros humanos em relação a Deus, é afastada pelo unitário-universalismo.
Aliás, o pecado original e considerada como um afastamento grosseiro em relação aos ensinamentos de Jesus, que enfatizam a relação com Deus como Fonte da Vida e do Amor, e um enorme erro em relação à natureza do Cosmos e da nossa relação com ele, tal como tem sido revelado pelas diversas tradições espirituais. O pecado pode ser considerado como falha em agir, pensar ou sentir. Ou seja, ficar aquém dos padrões de conduta que a fé ou a ética consideram como ideais.
Há que ter em conta que a origem da palavra pecado é um termo de tiro com arco. Significa errar o alvo. E o alvo que se perde é o Divino que se manifesta em tudo o que existe e, consequentemente, em cada um de nós.
A solução para o pecado passa por um processo de autoconhecimento, arrependimento e perdão. O amor como doação e perdão - incluindo o perdão de si próprio – é necessário para a cura ocorrer, trazendo para a nossa vida paz, harmonia e alegria.
Os unitário-universalistas consideram que a vida deve ser vivenciada com uma postura de celebração. Os seres humanos são centelhas do Divino, a natureza humana deve ser encarada com reverência e respeito e as diversas dimensões da vida devem ser vivenciadas como oportunidades de desenvolvimento espiritual.
Neste sentido, a salvação deve ser considerada a libertação de tudo o que fratura as nossas relações uns com os outros, com o resto da Criação, com a nossa essência verdadeira e com a Fonte Divina da qual emana tudo o que existe. A salvação passa pela prática do amor incondicional, do altruísmo, da compaixão e do desapego.
Os unitário-universalistas têm uma grande diversidade de crenças sobre a vida após a morte.
Alguns têm uma crença muito firme na permanência da vida humana além da morte física, considerando que há uma única existência física. Após a separação do corpo, a alma, que é imortal, continuará a desenvolver-se em realidades espirituais em direção a Deus.
Outros acreditam na reencarnação. Após a morte física, acreditam que a alma deixa o corpo e viverá novamente noutro corpo humano. Cada vida é vista como um tempo de preparação para a próxima vida, levando a uma perfeição crescente em direção ao Divino. É importante ter em conta que a reencarnação é uma crença comum entre as religiões orientais, mas também existia nos essénios, uma das grandes linhagens do judaísmo na época de Jesus, e em grande parte do cristianismo primitivo, antes do segundo Concílio de Constantinopla, em 553.
Outros unitário-universalistas têm uma postura de ceticismo em relação à vida após a morte.
Independentemente das suas crenças, os unitário-universalistas acreditam que o foco de nossa atenção deve ser este mundo. Uma vida eticamente bem vivida, servindo a humanidade da melhor maneira que puder, é a melhor preparação para a morte, independentemente do que possa existir além dela.
Os unitário-universalistas consideram que céu e inferno são alusões metafóricas ao estado espiritual da condição humana, não devendo ser compreendidas literalmente.
Para os unitário-universalistas, o céu ou o paraíso significam proximidade do Divino. Ou seja, são os estados de consciência nos quais os seres humanos estão em harmonia com a Fonte Divina. Através da oração, da meditação e de outras práticas espirituais, pode-se elevar a consciência humana a um estado celestial.
Por seu turno, o inferno exprime distância de Deus. Pode-se usar a palavra para descrever os estados de desolação espiritual e de alienação nos quais que os seres humanos podem cair.
O mal existe apenas comparativamente, existindo sobretudo na realidade material mais densa. No entanto, confia-se que o Divino transcende tudo. Nos níveis mais fundamentais da existência, tudo o que existe é o bem.
Os textos sagrados
As escrituras sagradas das diversas tradições espirituais, sejam a Bíblia, os Vedas, a Dhammapada ou o Tao Te Ching, são fontes de sabedoria e inspiração, que merecem respeito e consideração, mas não dispõem de uma autoridade inquestionável e infalível.
As escrituras sagradas devem ser interpretadas como produtos dos respetivos tempos e lugares, devendo ser evitadas interpretações de cariz literal e dogmático.
Por conseguinte, os textos sagrados das diversas tradições espirituais da humanidade são frequentemente utilizados nas comunidades unitário-universalistas, bem como outros textos seculares que se considerem relevantes.
As práticas espirituais
O unitário-universalismo reconhece a pluralidade das formas de conexão com o sagrado.
No unitário-universalismo, pretende-se que a dimensão ritual da vida comunitária seja inclusiva e significativo para pessoas com diferentes convicções e aspirações.
A espiritualidade unitário-universalista reconhece diversas práticas espirituais, como a lectio divina cristã, a meditação budista ou os círculos nos solstícios e nos equinócios.
No unitário-universalismo, pretende-se que a dimensão ritual da vida comunitária seja inclusiva e significativo para pessoas com diferentes convicções e aspirações.
Neste sentido, o ciclo do culto geralmente marca as festas cristãs do ano, as mudanças nas estações e ciclos da Terra e outras datas relevantes da herança humana, tanto espiritual quanto secular, como por exemplo o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Nos encontros unitário-universalistas, têm sido desenvolvidos rituais originais próprios, como o acendimento do cálice e a comunhão das flores.
O acendimento do cálice significa a transmutação do local do encontro num espaço sagrado. O acendimento do cálice é feito através com um castiçal ou um pires no qual se coloca uma vela, acompanhado pela declamação de uma oração.
No caso da comunhão das flores, a beleza e a diversidade das flores são vistas como um símbolo da beleza e da diversidade da Vida e da pluralidade de indivíduos na comunidade. De uma forma sucinta, o ritual envolve o seguinte: cada participante traz uma flor para ser usada no encontro espiritual; os participantes deixam as suas flores num lugar central; no final do encontro, as flores são distribuídas ou as pessoas escolhem uma flor diferente da que trouxeram.
As comunidades unitário-universalistas oferecem serviços especiais para assinalar o nascimento, o casamento ou o falecimento. Estes são organizados de modo a expressar as convicções das pessoas envolvidas.
As comunidades unitário-universalistas mais ligadas à herança cristã praticam o batismo e a eucaristia, de uma forma caracterizada pela simplicidade e pela inclusão.
A vida comunitária
O unitário-universalismo é uma comunidade global de comunidades, compostas por homens e mulheres, baseadas nos valores da dignidade da pessoa humana, da igualdade e de fraternidade universal.
O modelo organizacional do unitário-universalismo é democrático e participativo, tendo como base a autonomia de cada comunidade local.
As comunidades locais devem incorporar na sua organização e funcionamento os princípios da participação, da inclusão e da transparência. As organizações nacionais baseiam-se na união das comunidades locais. Algumas comunidades unitário-universalistas têm clero e outras não, conforme a tradição histórica de cada país. Os ministros unitário-universalistas podem ser tantos homens como mulheres, independentemente do sexo, estado civil ou orientação sexual. O trabalho de um ministro centra-se em presidir os serviços religiosos e as cerimônias públicas e prestar assistência espiritual.
O unitário-universalismo tem inspirado diversas comunidades presentes nos cinco continentes, sendo atualmente uma espiritualidade de âmbito mundial.
Daniel José Ribeiro de Faria
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