Daniel Faria

O Mistério Divino : Do Absoluto ao Cristo Cósmico (Parte II )

Por Daniel Faria em Maio de 2023

Tema Espiritualidade / Publicado na revista Nº 32

O Cristo Cósmico 

O Cristo Cósmico ou a Consciência Crística é a Inteligência infinitamente omnisciente da Divindade, presente na Criação no seu todo. O Cristo Cósmico é o Filho Unigénito, o Verbo de Deus, a Vibração Cósmica Inteligente da Divindade. 

Nas escrituras hebraicas, bem conhecidas quando o cristianismo primitivo se afirmava, o termo Verbo é utilizado para descrever a atividade de Deus no universo. Era feita uma distinção entre a presença de Deus no mundo e a realidade incompreensível do próprio Deus.

O grande mestre Jesus tinha bem presente de que Cristo é a inteligência infinita de Deus, presente em toda a criação. 

Muitos pensadores cristãos dos primeiros séculos, como Basílides, Teódoto, Valentim, Ptolomeu, Orígenes e Clemente de Alexandria, expressam uma compreensão do Cristo Cósmico como princípio ou emanação na manifestação divina e não especificamente a pessoa de Jesus histórico. 

Foi somente por uma evolução gradual do cristianismo, promovida por influências teológicas e sobretudo políticas, que o Verbo, o Filho Unigénito e o Cristo Cósmico vieram a significar somente a pessoa de Jesus. 

As consequências do concílio de Niceia, em 325, e da fórmula dogmática aí aprovada, que foi consolidada pelos concílios ecuménicos posteriores, para o cristianismo e a humanidade, foram enormes. A fé deixou de ser considerada como uma relação de confiança e de entrega ao Divino, passando a ser encarada como a adesão incondicional a um conjunto de dogmas doutrinários cada vez mais complexos. Os judeo-cristãos, os gnósticos e todos os demais cristãos que não partilhavam esta visão dogmática foram excluídos e perseguidos. Para os judeus, e posteriormente, para os muçulmanos e os seguidores de outras tradições espirituais em geral, a fórmula dogmática do cristianismo institucional permaneceu incompreensível. 

A confusão entre o Jesus humano e o Cristo Cósmico, o Filho Unigénito de Deus, teve como consequência a não valorização da natureza humana do grande mestre Jesus – que era um ser humano, filho de pais humanos (Maria e José) e que desenvolveu a sua consciência para tornar-se uno com o próprio Deus. Era a consciência presente em Jesus e não o seu corpo que estava unido à Consciência Crística como reflexo por excelência de Deus na criação. Quando produzia afirmações do tipo “Eu e o Pai somos um”, “o Pai está em mim e eu no Pai” ou “vós sois deuses”, Jesus referia-se à Consciência Crística plenamente realizada nele próprio e em todos os grandes mestres espirituais ao longo da História e que está latente na essência de cada ser humano. Jesus nunca se afirmou como o único salvador de todos os tempos. Na sua perspetiva, todos os seres humanos podem transformar-se interiormente, libertar a sua consciência restringida à matéria e sintonizar-se com a Consciência Crística. Em suma, os seres humanos podem realizar a sua natureza crística de seres divinos, filhos do Altíssimo. 




Rumo a uma cristologia pluralista 

A cristologia, conforme a própria designação o indica, é o estudo da pessoa e da obra de Jesus, o Cristo, e da sua ligação com o mistério de Deus e a evolução espiritual da humanidade. 

Atualmente, um número crescente de pensadores cristãos contemporâneos propõe uma cristologia do Espírito, que reconhece a atuação universal deste, inclusive fora do âmbito cristão, e a abertura a outras mediações do Divino para além de Jesus.

Influenciado por Pierre Teilhard de Chardin, Leonardo Boff defende uma cristologia cósmica, segundo a qual o Cristo cósmico e universal abrange todas as diversas fases da manifestação da Palavra Divina dentro da criação em evolução. Neste sentido, a encarnação é a elevação do universo como um todo em direção à Divindade.

Para Raimon Pannikar, o Espírito é a presença do Divino que plenifica o universo e a humanidade. Por isso, a experiência da cristofania é o símbolo da experiência da relação dinâmica entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo no ser humano. Para Pannikar, todo o ser humano participa do fundo divino (Pai) da capacidade de fraternidade (Filho) e do impulso plenificador (Espírito). Para Pannikar, Cristo é o símbolo mais poderoso da realidade plenamente humana, divina e cósmica, que não se limita a Jesus: No centro da realidade, ele é o ponto de cristalização em torno do qual o humano, o divino e o material podem crescer. Há um único Cristo que tudo ilumina e tudo inspira. Este Logos, Cristo, eterno e universal, encarnou em Jesus. Mas esta encarnação não é nem única nem normativa. A afirmação “Jesus é Cristo” não significa que “Cristo é Jesus” unicamente. Na história, Cristo pôde ser reconhecido sob outros nomes, havendo lugar para outros reveladores do Divino para além de Jesus. 

A perspetiva pluralista de Pannikar é partilhada por outros autores, tais como John Cobb Jr, que afirmou que Cristo é o Caminho que está aberto a outros Caminhos, e Jonh Hick. 

Jonh Hick considera que as diversas religiões podem ser caminhos legítimos de salvação e que os critérios para discernir o seu valor devem ser a ética e a mística, em detrimento dos aspetos doutrinários e institucionais. 

Hick considera que os diversos títulos atribuídos no Novo Testamento a Jesus, como Messias, Salvador, Filho do Homem, Filho de Deus, Palavra de Deus e Deus connosco, devem ser considerados em termos metafóricos e simbólicos e não de forma literal e dogmática como fez a cristologia tradicional. 

Por conseguinte, a encarnação de Deus em Jesus deve ser considerada num sentido metafórico. A encarnação é o envolvimento atuante de Deus com a humanidade. É Deus connosco no desenvolvimento da história. Neste âmbito, Deus esteve envolvido de forma especial, mas não exclusiva, na vida de Jesus. Jesus encarna a presença de Deus, mas este pode encarnar-se igualmente noutras figuras religiosas ao longo da história humana.

Esta posição não é propriamente inédita na história do cristianismo. Conforme menciona John Hick, Tomás de Aquino, um dos maiores pensadores cristãos de todos os tempos, encarava positivamente a possibilidade de Deus assumir a natureza humana em diversas condições, revelando-se a diversos seres humanos. 

Esta perspetiva tem a vantagem de realçar a descoberta da verdade religiosa por parte do ser humano que resulta da convergência de experiências e expressões diferentes. Consequentemente, afirmar a normatividade de Jesus, ou seja, considerar Jesus como norma representativa, mas não única, da verdade e da salvação de Deus, não é obstáculo para reconhecer a validade e a verdade das demais religiões. 

Atualmente, nos nossos tempos de transição planetária e cósmica, fala-se muitas vezes na segunda vinda de Jesus, o Cristo. 

O relevante é que a Sabedoria Divina e a vida exemplar de Jesus falem através do autoconhecimento e da experiência de cada um de nós, no sentido do nosso alinhamento com a Consciência Crística Infinita que se manifestou em Jesus e em tantos seres, conhecidos e desconhecidos, ao longo da História do planeta Terra e do Cosmos. Esta será a verdadeira segunda vinda do Cristo. 

Daniel José Ribeiro de Faria 





ARTIGO SUGERIDO

Elisa Flora - Entrevista

Elisa Flora - Entrevista

Revista Espaço Aberto (Maria Ribeiro)
Por Revista Espaço Aberto (Maria Ribeiro) em Fevereiro de 2023
Tema Sociedade / Publicado na revista Nº 31

Em 2006 nasce uma nova editora na cidade do Porto “Publicações Maitreya”, com orientação superior, a informação veio pela mão de Maria Ferreira da Silva.

Ler mais