
Ego, Sombra e meditação
Por Dulce Pombo em Julho de 2021
Até onde conseguimos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão da mera existência. C.G,Jung
Para que o Ego responsável aprenda a lidar com a Sombra amoral não há uma “solução”, uma fórmula para desativar conteúdos indesejáveis. Mas pode-se cultivar uma atitude, que começa pela aceitação e, consequentemente, pela tomada de consciência do modo como se manifesta, para chegar a um “entendimento”.
O modo como os outros reagem a nós e o modo como reagimos aos outros dizem muito sobre a influência da Sombra na nossa relação em sociedade; refletindo sobre as variações de humor, sobre os desejos e sonhos, sobre os apetites e reações impulsivas, percebemos qualidades e defeitos do lado obscuro da nossa psique; então, procuramos um acordo entre quem se pretende ser e quem não se quer ser.
Neste processo não há só más notícias, vergonhas e escândalos, pois na Sombra estão por realizar qualidades, competências, paixões, que foram precocemente abafadas, e podem ser trazidas à luz do dia com todo o potencial de energia psíquica que falta à vida no dia-a-dia.
Como distinguir a realização criativa da erupção desestabilizadora? A realização criativa é um ato consciente da vontade, em que respondemos previamente (mesmo sem pensar muito nisso) às questões relativas à sua viabilidade, pertinência, legalidade e efeito sobre o ambiente social em que vivemos, nós incluídos. Todo o contrário às manifestações intempestivas da Sombra sem mediação da consciência.
Este é o momento em que o Ego e a Sombra desenvolvem uma relação que se torna enriquecedora para ambos ou, pelo contrário, agrava o conflito. Simbolicamente, Jung chama aos dois de “irmãos desavindos”
Aqui, a arte de meditar é importante. Há que aprender a parar, a silenciar e a deixar-se dominar pelo ambiente natural (passarinhos a cantar nos bosques, estrelas que brilham no céu negro da noite). O contrário do processo de socialização da criança, que aprende a andar, a falar e a concentrar-se nas tarefas. Os excessos de tensão, o denominado stress, as doenças autoimunes, síndromes como o Burnout não surgem do nada.
Demorei anos até tornar a meditação numa prática diária. Hoje chego a meditar duas e três vezes ao dia. Nos primeiros meses tinha sensações estranhas e incomodas (energias perversas, visualizações menos boas) que achava não ser suposto sentir por não combinarem com a postura meditativa. Quando relaxava a mente, a pouco e pouco comecei a perceber de forma mais ampla os aspetos sombrios e escondidos. Após essas experiências pensei desistir, mas optei por continuar e consegui “enfrentar” o meu lado “assustador”. Com o tempo fui percebendo que esses eventos são comuns quando se medita há algum tempo - o que certos Gurus chamam de “Vingança da Mente”.
O que se passou comigo na altura? Ao perceber que me afastava do ideal inconsciente da minha Persona, o Ego procurou conscientemente resistir ao perigo e esteve na iminência de cair na armadilha bem conhecida das filosofias orientais, quando falam do Ego como uma ilusão que nos afasta da experiência da Totalidade. Essa experiência, misticismos à parte, é a experiência do Self.
O processo da individuação acontece normalmente conforme a idade avança, mas nem é consciente, nem é certo. Daí que neste livro fale no desafio de cada um se propor à “viagem” para o interior de si mesmo. Na visão de Jung, uma pessoa não deve fugir aos seus medos ou evitar o estado depressivo, mas confrontar-se com os “becos escuros”. Os conteúdos da Sombra não têm de ser aceites, mas negociados de modo ao entendimento satisfatório; só com a postura ativa e compreensiva o tesouro oculto surgirá brilhando na escuridão.
Há o lado da Sombra que nos envergonha, mas também aparece o lado que contém a “criança eterna”, no sentido da curiosidade pura, criatividade em potência. Esse lado pode assustar pela força com que apela a deixarmos cair a máscara da Persona, a abandonarmos o lado materialista do nosso projeto de vida, a quebrar compromissos que fizemos para garantir segurança à custa da felicidade.
Dulce Pombo
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