Qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos
Carl Gustav Jung
Sombra, o nosso Mefistófeles
Carl Gustav Jung (1875-1961), médico e psiquiatra suíço, discípulo e colaborador de Freud, desenvolveu uma abordagem original sobre o Inconsciente. Seus estudos privilegiaram a filosofia, a religião e tradições arcaicas como complemento da prática da psicoterapia, abordando o indivíduo em seu contexto social, cultural e universal. Jung não aceitava que por detrás dos conflitos psíquicos estariam traumas de natureza sexual, enquanto Freud não via com bons olhos o interesse por fenómenos espirituais.
A Sombra, tal como neste livro é entendida, foi um tema central que desenvolveu sob influência das obras de Nietzsche e de Goethe (neste caso, Fausto foi a obra decisiva para abordagem do lado sombrio da personalidade).
Fausto , um homem erudito, insatisfeito e em solidão, tentou buscar o significado da sua vida. Desesperado, recorre à magia para encontrar sentido e poder, fazendo um pacto de sangue com Mefistófeles: troca a sua alma por juventude e prazer.
Dessa forma, Fausto foi possuído pela sua sombra. Após uma série de sofrimentos, começa a enfraquecer, e um despertar psicológico acontece no seu interior, ao confrontar a cisão entre o divino e o diabólico, na sua própria alma.
Mefistófeles encarnava os desejos de Fausto (poder, sexo e dinheiro), no intuito de terminar com a sua solidão, tal como muito de nós anseiam.
Quando nos encontramos com o nosso Mefistófeles interior, a sombra parece grande e invencível, ameaçando a nossa vida. O encontro com nós mesmos é, inicialmente, o encontro com nossa sombra.
Na psicologia jungiana, a Sombra é um complexo de conteúdos da personalidade reprimidos em prol do ego ideal, é o negativo da personalidade que se apresenta na sociedade, a totalidade das qualidades desagradáveis que permanecem ocultas do próprio. É o lado impulsivo, a herança ancestral, o primitivismo humano, a parte obscura da alma. O que pode ser entendido como imoral, inadequado e, por conseguinte, a reprimir: desejos frustrados, experiências dolorosas, vergonha, insegurança, medo, raiva, maldade; a personalidade miserável e inconsciente que alimenta a inveja, os ciúmes, a avareza, o narcisismo, a luxúria, e tantas outras emoções e sentimentos que levam a conflitos e a comportamentos inesperados.
A Sombra não corresponde à imagem que queremos dar, nem às expectativas que acreditamos terem os outros a nosso respeito, pelo que será tanto mais escura (inconsciente) quanto brilhante e perfeita for a máscara social.
Nela estão contidas reprimidas, memórias esquecidas, traumas silenciados, o que não se realizou mas foi desejado (e não se admite que o foi). Jung chama a atenção de não haver uma malignidade absoluta, antes se trata duma faceta inconsciente que, ao exprimir-se, é vulgar, inadequada e incómoda. Contudo, no seu primitivismo, tem qualidades infantis que poderiam vivificar e embelezar a existência: o potencial reprimido pode tornar-se num verdadeiro tesouro. Paradoxalmente, o que não quisemos/aceitamos ser contém o que nos permite sentir inteiros, completos. Nesse sentido, existe um paralelismo entre a Sombra e o Inconsciente freudiano, mas não uma sobreposição.
Jung entende haver, além do inconsciente pessoal, um inconsciente coletivo (abordarei mais adiante) em todos os seres humanos: o primeiro contém as experiências vivenciadas ao longo da vida, o segundo é um repositório do conhecimento universal e ancestral, uma espécie de mente arcaica, filogenética.
Assim, acresce à Sombra individual uma Sombra colectiva: duas Sombras que convivem e se manifestam quando têm oportunidade. A Sombra colectiva corresponde ao que é negativo e destrutivo na Humanidade. Para conhecê-las, é necessário um longo trabalho, uma vida inteira, para o qual nem sempre há coragem.
A sombra é uma passagem estreita, uma porta apertada, de cuja constrição dolorosa ninguém que desça ao fundo do poço haverá de ser poupado. Mas nós precisamos passar essa estreiteza para aprender a nos conhecermos, para saber quem somos.
Assumir a Sombra beneficia o indivíduo pela compreensão de comportamentos que não sabia explicar. Segundo Jung, a melhor maneira de lidar com ela implica não a desprezar, mas dar-lhe formas de expressão aceitáveis, o que resulta numa canalização de energia simultaneamente criativa e libertadora. Ou seja, a Sombra deve ser integrada na personalidade consciente, o que gera conflito a nível inconsciente.
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